Sete meses depois de um duelo triste e cinzento, os últimos classificados da Série B da 2.ª Distrital entraram em campo de cara lavada e alma renovada. Caxarias e Vilarense disputaram mais um Derby de Ourém… e não foi bonito.

Nota prévia: o Derby tenta fazer a diferença pela positiva, defende o futebol e todos os seus intervenientes, preza a figura do árbitro e compreende dificuldades face a determinados contextos. Com mais ou menos paninhos quentes, não há outra forma de o escrever: a arbitragem foi infeliz ao ponto de arruinar por completo a estratégia de ambas as equipas.

Houve decisões acertadas (poucas) e juízos errados (muitos), praticamente todos com influência no desfecho deste Derby de Ourém. Vamos a factos.

O Centro de Cultura e Desporto entrou forte e empurrou o Clube Desportivo lá para trás, conquistando três cantos nos primeiros quatro minutos. Num deles, António Pinto colocou a bola redondinha na cabeça de Ruben Mano, mas o ‘6’ do Caxarias não conseguiu atirar a contar.

O Vilarense não tremeu. Pelo contrário, aproveitou cada oportunidade para se lançar no ataque e beneficiou da primeira grande oportunidade aos 6 minutos, na sequência de uma bola parada que Felipi Rigoleto atirou por cima.

Marcar à Panenka e celebrar à Ronaldo
Dois minutos depois, o primeiro caso de arbitragem. Em dia de regresso à Chã mas agora de azul e branco, Felipi avançou sobre a esquerda e acabou derrubado por Rúben Mano. Filipe Correia apitou penalty. E bem.

Sidnei avançou sem medo, encarou Francisco Ferreira nos olhos… e fez uma verdadeira maldade ao guardião da casa. Com o ‘99’ de Vítor Baia nas costas, marcou um penalty à Panenka e ainda celebrou à Ronaldo, para delírio das dezenas de adeptos vilarenses em solo ‘inimigo’.

Em desvantagem, o Caxarias foi à procura do empate e só não o conseguiu logo aos 14 minutos porque o tiro de Lucas Silva saiu ligeiramente sobre a trave. A turma de Telmo Ferreira assumiu o jogo, com os comandados de Miguel Pinto à espreita de um deslize para ampliarem a vantagem.

Quase conseguiram ao primeiro quarto de hora, mas o carrinho de Sidnei chegou atrasado a um cruzamento de Felipi. A bola tinha selo de golo, mas o ‘99’ não conseguiu desviar para dentro.

De parada e resposta, o Derby de Ourém entrou noutro patamar quando os homens da casa começaram a perceber que os visitantes tremiam que nem varas verdes perante uma pressão mais intensa.

Foi assim que os centrais do Vilarense deixaram Pedro Alves na cara de Tiago Motta, aos 18 minutos de jogo. Valeu ao Vilarense que os seus defesas não foram os únicos a vacilar neste lance capital… O avançado do Caxarias teve tudo para empatar, mas atirou ao lado quando tinha a baliza à sua mercê.

Dez minutos depois, novo episódio na tremedeira azul: a defesa vilarense voltou a vacilar mas Lucas Silva também não conseguiu aproveitar.

Penalty por assinalar
O relógio caminhava para a meia hora de derby, o Caxarias intensificava a pressão e a arbitragem (também) começava a patinar. Na sequência de uma bola parada, Ruben Mano acabou derrubado em plena área do Vilarense. Se Filipe Correia tem marcado penalty, ninguém levava a mal, até porque o corte foi muito mais no homem do que na bola. Aliás, a pancada na perna de Mano ouviu-se à distância.

Atleta do Fátima Trail Team, o líder desta equipa de arbitragem começou logo a ali a meter-se por trilhos apertados… E se o Caxarias tinha razão para se sentir prejudicado, depressa o árbitro equilibrou a balança.

Pinto na gaveta de baixo
Estavam decorridos 40 minutos, quando Dudu se embrulhou com Leandro e cavou uma falta que o central não cometeu. (Nota da Redação: vimos as imagens do lance e mantemos a opinião). É certo que um livre fora da área está longe de ser um penalty, mas no pé esquerdo de António Pinto é tudo a mesma coisa. Golo para o Caxarias! O esquerdino meteu a canhota na bola e fê-la contornar a barreira num voo rasante ao chão que só parou na gaveta de baixo. Sem espinhas. Um igual.

O intervalo chegou pouco depois e o resumo da 1.ª parte não era difícil de fazer. O Caxarias entrou forte, o Vilarense respondeu e marcou primeiro. Tremeu muito lá atrás, mas nunca deixou de se estivar na frente. Filipe Correia ajuizou bem um lance para penalty na área do Caxarias e deixou por assinalar outro castigo máximo, mas na área do Vilarense. Pior ainda: a ausência de critério técnico e disciplinar começava a ser gritante. Mau prenúncio…

E agora para algo completamente diferente…
O pior cenário confirmou-se na aurora da 2.ª parte: logo no primeiro minuto, Felipi bateu a defesa rival em velocidade, entrou na área e acabou derrubado por Francisco Ferreira. Penalty evidente para o Vilarense, devidamente assinalado por Filipe Correia, antes de a equipa de arbitragem entrar em modo Monty Pithon.

Experiente, o guardião da casa clamou inocência. “Encolhi-me todo”, exclamou, repetidamente. Mas por muito que Francisco Ferreira se tenha encolhido para evitar o contacto, a verdade é que a falta foi evidente. Pelo menos para a reportagem do Derby, que andava ali em cima do lance. (Nota da Redação: ainda não vimos as imagens do lance, pelo que mantemos a opinião).

Um VAR… a olho nu
Sucede que afinal nem estávamos assim tão bem posicionados. Tiago Duarte, árbitro assistente do lado dos bancos, decidiu fazer de VAR… a uns 50 metros do lance e sem recurso a imagens, nem repetições. Chamou o chefe (mas pouco…) e aconselhou Filipe Correia a reverter a decisão.

O árbitro principal foi na conversa e o caldo começou a entornar. Pior: ‘amarelou’ Felipi. “Sou um palhaço, então? Caí sozinho?”, desabafou o avançado, depois de um lance verdadeiramente surreal, com consequências nefastas para o próprio, minutos depois.

Faca e alguidar
O jogo reatou e o Vilarense voltou a aproveitar o espaço nas costas da defesa da casa. Sidnei surgiu na mesma zona onde Felipi tinha sido derrubado, mas desta vez Francisco Ferreira encolheu-se mesmo todinho, ao ponto de se deixar contornar pelo avançado vilarense, que acabou por atirar à malha lateral… com a baliza deserta, mas de ângulo difícil.

Ainda a sentir os efeitos da ‘panenkada’ a abrir o jogo, Francisco celebrou o falhanço de Sidnei como se de um golo se tratasse, mas os impropérios e ofensas que dirigiu ao adversário caíram em saco roto. E já tinha amarelo… (Nota da Redação: O Derby errou! Quem já tinha Cartão Amarelo era o ‘outro’ Francisco Ferreira, guarda-redes suplente do CCD Caxarias, sancionado aos 24 minutos, por protestos. As nossas desculpas. Entretanto, Francisco Ferreira, o guardião titular envolvido neste lance, fez chegar ao Derby uma mensagem onde assume ter-se excedido, garantindo que também foi insultado por Sidnei, na 1.ª parte. A nossa reportagem estava atrás da baliza contrária e não se apercebeu das alegadas ofensas. Se aconteceram, são igualmente condenáveis.)

Um a menos
A adrenalina aumentava, o Derby de Ourém fervia… e Felipi queimava-se. Com cartão amarelo por simular um penalty que até nem simulou, o avançado acabou por atingir Ruben Mano nas costas, numa disputa imprudente que levou Filipe Correia a exibir-lhe o segundo amarelo e consequente vermelho, aos 56 minutos.

Este ‘amarelo’ entende-se, mesmo que tenha sido arrancado a ferros, a pedido dos homens da casa. O que não se entende é o primeiro cartão. Era penalty. E pior que reverter a decisão com base num bitaite de 50 metros, é ‘amarelar’ um jogador quando afinal não se tem qualquer certeza sobre o que aconteceu.

Dois a menos
Ainda Miguel Pinto estava a preparar alterações para compensar esta expulsão, quando o treinador do Vilarense foi confrontado com outra: com cartão amarelo desde a 1.ª parte, Sidnei acabou expulso aos 58 minutos, na sequência de mais um lance fácil que o árbitro tornou difícil. O segundo amarelo a Sidnei só se aceitava se todos os jogadores em campo já tivessem sido punidos por cada falta que fizeram. O que não aconteceu. Em boa verdade, a ausência de qualquer tipo de critério, foi lei durante todo o jogo. Para mal das duas equipas.

Meia hora com mais dois ou menos dois
Como um azar nunca vem só, Miguel Pinto teve de trocar de guarda-redes devido a uma lesão de Tiago Motta. Mas não foi por ali que a casa veio a baixo. Mauro Lopes transmitiu a segurança necessária, mas o aperto nem foi assim tanto.

O Caxarias passava a dispor de meia hora para jogar com dois elementos a mais. Parecia tempo de sobra só que não chegou.

Quando trocou de guardião, Miguel Pinto lançou uma flecha na frente. Tomás Nunes foi um verdadeiro quebra-cabeças para o Caxarias, conseguindo transportar a bola para perto da área contrária, mantendo distâncias. E enquanto o pau ia e vinha, os azuis e brancos sempre folgavam as costas…

No banco contrário (ou fora dele, por castigo), Telmo Ferreira deu ordem para atacar. Todas as substituições foram de tração à frente, mas a equipa nunca conseguiu responder à ambição do treinador e o melhor que conseguiu foi uma bola na trave, pela cabeça de Paulo Antunes. O Piranhas quase mordeu os três pontos e essa foi mesmo a única oportunidade digna de registo em mais de meia hora a jogar contra 9.

Agarrados ao ponto com unhas e dentes
Com 9 jogadores desde os 58 minutos, o Vilarense ficou ainda mais reduzido quando outro dos seus jogadores teve de abandonar o jogo devido a uma lesão aparentemente grave, mas sem consequências de maior. O atleta foi prontamente assistido no relvado e devidamente conduzido ao hospital, onde o pior cenário não se confirmou. Felizmente.

O infortúnio obrigou o Vilarense a jogar de 8 para 11 durante os últimos seis minutos dos oito concedidos pela equipa de arbitragem. Foi o tempo de aprimorar a máquina do fora de jogo, verdadeira armadilha azul e branca, na qual os rubronegros caíram demasiadas vezes. Até o ‘bandeirinha’, tão decidido em lances a 50 metros, teve dificuldades em interpretar um par de jogadas à frente dos seus olhos, bem na zona ofensiva do Caxarias.

Relatório & Contas
Entre o deve e haver, perdeu o futebol. O Derby de Ourém foi intenso, rasgadinho e eletrizante, mas poderia ter sido bem melhor se a arbitragem não estivesse em ‘dia não’. Errar é humano, só erra quem lá, todos temos esse direito e Filipe Correia e seus pares não fogem à regra. Mais ou menos insólitos, erros acontecem, seja na 2.ª Distrital ou no Mundial. Melhores dias virão para este trio de árbitros jovens e com margem de progressão.

Momento de reflexão
Por mais estranhos ou surreais que possam parecer, os erros de arbitragem são exatamente isso mesmo: erros. E vale tanto um penalty por assinalar, como um falhanço de baliza aberta ou frango de aviário. É a magia do futebol.

O que já não podemos entender como normal no final de 2022, é o comportamento de alguns adeptos que teimam em fazer da bola o seu escape para descarregar frustrações de uma vida. É verdade que um derby é sempre um derby, mas ter as emoções à flor da pele não pode ser desculpa para ameaçar, insultar e enxovalhar três jovens árbitros cujo erro principal está na forma como se sujeitam a tudo isto por amor ao futebol.

O Filipe, o Tiago e o Francisco são jovens árbitros amadores. Sabem que os jogos podem correr bem, mal ou pior ainda. Também sabem que a crítica caminha de mãos dadas com a evolução, e por isso mesmo compreenderão que as linhas anteriores não podem ser simpáticas perante esta atuação.

Mas o Filipe, o Tiago e o Francisco também são seres humanos. Podiam ser filhos daquelas mães que tanto os insultaram na bancada. Como podiam ser filhos daqueles pais que tanto os ameaçaram ao longo de praticamente todo o jogo, perante a passividade total das forças de segurança presentes, que teimam em não perceber que a violência verbal também é para conter.

Valeu que dentro do campo, os valores do fair play soaram sempre mais alto. Tirando um ou outro momento de alta tensão, fica na memória o abraço entre praticamente todos os adversários depois do apito final. Mal ou bem, todos deram o melhor que puderam. Árbitros incluídos. Quem nunca errou, que guarde as pedras bem guardadinhas. E não vá ao futebol.

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