Depois de mais uma década como jogador e treinador adjunto, Sérgio Pinto aceitou o desafio de comandar a primeira equipa sénior feminina da história do Juventude Ouriense. Pelo meio, assumiu o risco de acumular funções ao leme da formação masculina, numa decisão corajosa da qual não se arrepende. Exclusivamente dedicado ao futsal feminino, encara a próxima época com ambição: “Queremos chegar à Taça Nacional e subir de divisão.”
Entrevista Derby com… Sérgio Pinto
Derby – Que balanço faz da temporada a nível coletivo?
Sérgio Pinto – Faço um balanço muito positivo. Fica a clara sensação de que podíamos ter chegado mais longe na Taça Distrital. Esse é, sem dúvida, o maior amargo de boca que levamos desta época. Foi um projeto em ano de estreia que nos obrigou a muito trabalho. Começámos a trabalhar no projeto em Fevereiro de 2021. Sabíamos perfeitamente do potencial por explorar no futsal feminino e o nosso grande foco é valorizar o desporto feminino, especificamente o futsal. Partindo daí, e tendo em conta que este foi o primeiro ano, ainda com uma pandemia mundial a dificultar a vida de todos, acho que o balanço tem de ser muito positivo.
Derby – A nível individual, foi a sua primeira temporada como treinador principal. Foi muito diferente do que idealizava?
Sérgio Pinto – As 13 épocas como jogador deram-me uma bagagem muito grande. Ser treinador era um desejo de há muitos anos e sabia que seria algo que iria acontecer de forma natural. Ao longo desses anos, fui-me preparando e trabalhando para ser o mais competente possível assim que tivesse uma oportunidade. Trabalhei com diversos treinadores, vivi realidades muito diferentes e isso moldou a minha maneira de pensar o futsal, aquilo que quero e o que não quero numa equipa minha. Por isso, é óbvio que, de ano para ano, estarei mais preparado e com mais experiência, o que ajudará no meu trabalho. Mas não posso dizer que tenha sido apanhado de surpresa, até porque já tinha trabalhado como treinador adjunto em 2011/12, numa equipa de juniores, assim como na época passada, na equipa de seniores masculinos da Juventude Ouriense.
As 13 épocas como jogador deram-me uma bagagem muito grande. Trabalhei com diversos treinadores, vivi realidades muito diferentes e isso moldou a minha maneira de pensar o futsal, aquilo que quero e o que não quero numa equipa minha
Derby – No último terço da época, aceitou o desafio de assumir também a equipa sénior masculina. O que o levou a aceitar esse convite com a temporada em curso?
Sérgio Pinto – A realidade é que quando entrei, faltava uma jornada para acabar a 1ª volta. Aceitei esse desafio por duas grandes razões: a primeira, por sentir que o projeto estava numa fase de mudança e que eu poderia ajudar nessa mudança, porque conhecia o plantel muito, muito bem. A segunda, porque a Juventude Ouriense ajudou-me a crescer como jogador, deu-me a primeira oportunidade de integrar uma equipa técnica em 2011/12, a época passada voltou a acreditar em mim para ser treinador adjunto na equipa sénior masculina, depois de ter deixado de jogar. Senti que tinha esse dever de não me esconder numa fase em que o clube sentiu que precisava de mim. E essas foram as grandes razões para aceitar o desafio: o clube mostrar que precisava de mim e eu sentir que podia ajudar o clube.
Derby – Teria sido mais confortável recusar, até para preservar a sua imagem como treinador, se as coisas não resultassem como se pretendia. Podemos entender a sua decisão como um ato de coragem de um treinador sem medo de assumir riscos e desafios?
Sérgio Pinto – Eu prefiro deixar a palavra coragem para coisas mais importantes da nossa vida. Mas, sem dúvida que sentia que era muito mais confortável recusar. Para o exterior, tinha muito mais a perder do que a ganhar e, no meio de uma época que estava a ser interessante na equipa feminina, era fácil não correr esse risco. A realidade é que além do que eu disse na pergunta anterior, nós aprendemos em todas as situações. Das melhores, às mais adversas. E eu cresci muito com esse desafio. O empenho e a dedicação foram iguais às que tive no feminino. Quem trabalhou comigo sabe isso. Aquilo que passa para quem só vê os resultados semanalmente, ou mesmo o jogo a cada fim de semana não me preocupa assim tanto, porque no final eu saí bem melhor treinador do que era antes.
Derby – A equipa feminina tinha condições para mais do que o 3.º lugar ou é um resultado que o deixa satisfeito?
Sérgio Pinto – Acho que a classificação final se adequa àquilo que fizemos ao longo da época. A equipa tem um potencial enorme, mas há dores de crescimento que não são possíveis de fugir. O plantel foi tendo várias mudanças ao longo da época. Das jogadoras que trabalharam comigo, só uma tinha estado em competição na época anterior. Tivemos um plantel com realidades muito diferentes. Desde jogadoras com vários anos de futsal, até jogadoras que só tinham jogado futebol 11 ou até quem nunca tivesse sido federada. Colocar tudo isto em cima da mesa e fazer uma equipa competitiva não é fácil. Olhamos para as duas equipas que ficaram à nossa frente e a realidade é completamente diferente. Mesmo assim, tivemos a capacidade de jogar olhos nos olhos com essas equipas e em muitos momentos sermos superiores, sendo sempre fiéis à nossa ideia de jogo. A classificação acho que é a normal. O processo de crescimento, esse sim, deixa-me muito satisfeito e deve-se ao caráter fantástico que as minhas jogadoras têm.
Assumir a equipa masculina foi um ato de coragem? Senti que tinha esse dever de não me esconder numa fase em que o clube sentiu que precisava de mim […] Era muito mais confortável recusar […] Para o exterior, tinha tinha muito mais a perder do que a ganhar.
Derby – E a equipa masculina? A que se devem as dificuldades sentidas, sobretudo ao nível dos resultados desportivos, que ficaram aquém do esperado.
Sérgio Pinto – Foi uma época muito atribulada. As várias mudanças no plantel a meio da época e mudanças na equipa técnica criam uma instabilidade grande à equipa. Depois também fomos muito castigados com lesões ao longo da época, mas essas infelizmente fazem parte. A realidade é que um clube que dá as condições de trabalho que existem na Juventude Ouriense, não pode ganhar apenas um jogo e empatar outro em 13 jornadas. E nesses resultados o responsável máximo sou eu que fui o treinador da equipa. Acredito que tudo isto tenha servido de lição e que o passo atrás que se deu a certa altura, sirva para no futuro dar várias passos em frente no projeto.
Derby – Depois de vários anos ligado ao futsal masculino, como jogador e também como treinador adjunto, quais as principais diferenças que sentiu na comparação com a realidade do futsal feminino?
Sérgio Pinto – Existem várias, umas que são normais e outras que se o são, têm de deixar de ser. Senti da parte de diversos agentes desportivos uma desvalorização do futsal feminino. Os projetos são muito menos preparados e pensados. Os árbitros são algumas vezes menos rigorosos em algumas questões, permitindo situações que não vão ao encontro das leis de jogos, ao invés de ter uma atitude pedagógica de forma a todos aprenderem. Por outro lado, existe um compromisso, vontade de trabalhar e dedicação nas jogadoras com quem trabalhei, que é muito difícil encontrar no masculino. E esse fator parece-me transversal às equipas femininas.
Derby – Como avalia o crescimento do futsal feminino e o que ainda há a fazer para ser cada vez mais valorizado?
Sérgio Pinto – O crescimento tem sido evidente, basta ver as audiências das transmissões de jogos e público presente nos estádios e pavilhões. O potencial é, ainda assim enorme, e somos todos nós, que fazemos parte desta dinâmica, que temos de convencer as pessoas a valorizarem ainda mais o desporto feminino e, no nosso caso em concreto, o futsal feminino. Nós estamos na base da pirâmide e se nós elevarmos a qualidade de trabalho e a seriedade a nível distrital, vamos obrigar a quem está nas divisões nacionais a melhorar também.
A realidade é que um clube que dá as condições de trabalho que existem na Juventude Ouriense, não pode ganhar apenas um jogo e empatar outro em 13 jornadas. E nesses resultados o responsável máximo sou eu.
Derby – Na próxima época, volta a assumir apenas a equipa feminina…
Sérgio Pinto – No masculino, desde o início que todos sabíamos que a minha missão era até ao final da época, independentemente dos resultados. Em relação à equipa feminina, só foi oficializado na semana passada, mas estamos já há algum tempo a trabalhar na preparação da próxima época.
Derby – Qual o objetivo para a próxima temporada?
Sérgio Pinto – Passa por fazer melhor que na época anterior e fazer melhor no campeonato é chegar à Taça Nacional e lutar pela subida de divisão. Na Taça Distrital é chegar à final e ganhar. Os objetivos têm de ser esses. Se o vamos conseguir ou não, veremos no final da época, porque com certeza haverá outras equipas a lutar pelo mesmo e as vagas não são ilimitadas. Mas não podemos ter medo de assumir que é para isso que planeamos a próxima época e não fazia sentido não ambicionar mais do que fizemos na época de estreia.
Objetivo para a próxima época? Queremos chegar à Taça Nacional e lutar pela subida de divisão. Na Taça Distrital, queremos chegar à final e ganhar
Derby – Como é que se define enquanto treinador?
Sérgio Pinto – Prefiro sempre que sejam os outros a falar sobre mim, acho que nunca temos o distanciamento que é preciso para nos avaliarmos a nós próprios. Mas, em linhas gerais sou alguém que é apaixonado pelo desporto, pelo futsal e que se dedica a 100% aos projetos que abraça. Tendo essa exigência para comigo, obviamente que me leva a ter essa exigência com aqueles que comigo trabalham.
Complete a frase: as equipas do mister Sérgio Pinto caracterizam-se por…
… serem equipas intensas, que deixam tudo em campo, trabalhando sempre para valorizar o clube e a modalidade que representamos. Isso é algo que só depende de nós e que é inegociável.