Entrevista Derby
Horas depois da grande conquista de Ana Sofia Costa, o Derby desafiou o treinador da paratleta olímpica a confessar o que lhe ia na alma. Sem esquecer o papel preponderante de Celina Gameiro, Parceira de Competição da nossa campeã, David Henriques apontou argumentos mais do que suficientes para tornar este momento ainda mais especial. “É um orgulho para o Centro João Paulo II e um orgulho para o treinador desta dupla”.
Derby – O que representa a Medalha de Ouro que a Ana Sofia Costa acaba de conquistar em plena Taça do Mundo do Brasil, tendo em conta que o David foi o grande impulsionador da entrada desta paratleta olímpica na modalidade?
David Henriques – Falar desta Medalha de Ouro é falar de um sonho tornado realidade! Esta não é a primeira medalha de ouro conquistada pela Ana Sofia e pela Celina. Esta medalha é especial! É especial porque é a primeira alcançada numa competição individual e numa prova a contar para o Ranking Mundial. É especial porque foi alcançada numa altura em que há ainda efeitos da pandemia e que nem sempre é possível realizar o trabalho que se pretende. É especial porque foi alcançada numa altura em que as condições anímicas não estavam no seu auge. É especial porque se conseguiu ultrapassar todas as tormentas e contornar todas as pedras que se atravessaram no caminho. É especial porque uma medalha de OURO é sempre especial!
Derby – Sendo numa competição internacional e num palco tão especial quanto uma Taça do Mundo, pode considerar-se esta Medalha de Ouro como o ponto alto da Ana Sofia na modalidade?
David Henriques – Esta medalha não foi alcançada nesta última semana de prova no Brasil. Esta medalha começou a ser alcançada quando a Ana entrou para o Centro João Paulo II. Em 2010 a Ana conheceu o Boccia, poderia ter sido o slalom em cadeira de rodas ou outra modalidade, mas foi o Boccia. Nesse ano estávamos todos longe de imaginar que um dia iriamos conquistar uma medalha de ouro numa Taça do Mundo. Não sendo esse o primeiro objetivo, fomos treinando, fomos trabalhando, fomos aprendendo e fomos acreditando. Ano após ano, as prestações da Ana Sofia nas competições nacionais iam sendo cada vez mais positivas e a obrigatoriedade de uma quota feminina abriu as portas da Seleção Nacional de Boccia. Este foi um momento de viragem onde o trabalho na seleção trouxe maior exigência, maior responsabilidade, mais aprendizagens técnicas e mentais. O percurso não começou com a Celina como parceira de competição, começou com a Lídia e com a Ana Lúcia. A elas também se deve o crescimento da Ana. Mas foi com a Celina que a Ana cresceu ainda mais e teve condições para as duas voarem bem alto.
Derby – Enquanto instituição social que acolheu a Ana Sofia e lhe proporcionou a prática da modalidade, o que representa esta conquista para o próprio Centro João Paulo II?
David Henriques – Para o Centro João Paulo II (CJPII), a Alta Competição nunca foi o verdadeiro objetivo, pretende-se que através do desporto se proporcione aos residentes outras experienciais, oportunidade de competir, de conviver e que o desporto seja um meio de integração na sociedade para que se veja a pessoa com deficiência sem tabus, que sejam vistas como pessoas iguais a tantas outras e com capacidades tão boas ou melhores que as ditas normais. Também é verdade que nunca se acreditou que a Alta Competição fosse possível para os residentes do CJPII. O percurso da Ana obrigou a que o Centro João Paulo II reformulasse os objetivos e acreditasse que era possível ambicionar mais. A Alta Competição num lar residencial não é a mesma coisa que num clube desportivo. A sua gestão é diferente, as condições são diferentes, os recursos são diferentes e por vezes as prioridades também são diferentes. Por isso, esta medalha de Ouro também tem um valor diferente. É para o CJPII um orgulho enorme este feito, é o reconhecimento da Ana e da Celina que são realmente as maiores obreiras deste feito, mas é também o reconhecimento de todos os colaboradores do CJPII, desde o treinador, toda a equipa de reabilitação, animação, saúde, serviço social administração, cozinha, limpeza, economato, lavandaria e as ajudantes de lar que todos os dias cuidam da Ana. É o reconhecimento de todos estes que não se veem, mas que estão lá sempre que a Ana e a Celina precisam. Claro que não é perfeito e às vezes é preciso mais, mas nada é perfeito!
Derby – E para o David? Que significado tem esta Medalha de Ouro conquistada em plena Taça do Mundo?
David Henriques – Enquanto treinador, é um orgulho enorme ver a Ana e a Celina neste patamar. É um privilégio assistir ao crescimento desta dupla, é uma aprendizagem ver a sua força e determinação, o querer sempre mais, o esforço, a dedicação… Não há palavras para descrever o sentimento de um treinador ao ver esta dupla! Tudo isto tem ainda mais valor quando se sabe todo o sacrifício que é preciso fazer para se chegar a este nível, tudo o que é preciso abdicar para o alcançar. Para um treinador é um ORGULHO!